Hoje eu quero um desses! Quem não quer?
AMOR FEINHO
Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.
Adélia Prado - Bagagem (1976)
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
O amor é desse jeito
E sem querer esse poema me pega pela dureza, pega pela verdade que não quer acreditar:
Corridinho
O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.
O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.
O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.
Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.
Tudo manha, truque, engenho:
é descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.
Adélia Prado - O coração disparado
Corridinho
O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.
O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.
O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.
Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.
Tudo manha, truque, engenho:
é descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.
Adélia Prado - O coração disparado
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
13 de dezembro
Hoje é só felicidade para Adélia Prado. Isso mesmo! Ela faz 76 aninhos muito bem vividos e foi nesse clima que eu qualifiquei minha dissertação hoje e fui aprovada com muita felicidade.
Com vocês um presente de Adélia:
MULHERES
Ainda me restam coisas
Com vocês um presente de Adélia:
MULHERES
Ainda me restam coisas
mais potentes que hormônios.
Tenho um teclado e cito com elegância
Os Maias, A Civilização Asteca.
Falo alto, às vezes, para testar a potência,
Afastar as línguas de trapo me avisando da velhice:
‘Como estás bem!’
Aos trinta anos tinha vergonha de parecer jovenzinha,
idade hoje em que as mulheres ainda maravilhosas se processam
ácidas e perfeitas como a legumes no vinagre.
De qualquer modo, se o mundo acabar
a culpa é nossa.
A duração do dia (2010) - Adélia Prado
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Você conhece uma Margarete?
Por acaso depois de uma aula em que o tema foi "O que você feria se seu filho fosse gay", eu me deparo com Margarete. Essa poesia que é vida me deixa com febre poética!
As finuras de Margarete
fogem a padrões sociais:
'O popular, tudo bem.
Mas o clássico é imbatível!'
Com a alma à porta da rua
nada esconde de si mesma.
Vi tremer-lhe o queixo um dia
a ardoroso pretendente:
'Você por acaso é gay?'
Sofre muito Margarete,
a que nao sabe doer-se,
inocente como romã,
que racha por não conter-se.
Adélia Prado - A duração do dia (2010)
Os comoventes preconceitos
As finuras de Margarete
fogem a padrões sociais:
'O popular, tudo bem.
Mas o clássico é imbatível!'
Com a alma à porta da rua
nada esconde de si mesma.
Vi tremer-lhe o queixo um dia
a ardoroso pretendente:
'Você por acaso é gay?'
Sofre muito Margarete,
a que nao sabe doer-se,
inocente como romã,
que racha por não conter-se.
Adélia Prado - A duração do dia (2010)
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
E por falar em cotidiano...
Estou eu buscando algo que retrate a visão e reflexão sobre o cotidiano e me vem "Aqui, tão longe". Fiquei pensando sobre as coisas que passam por nossos olhos enquanto tantas outras estão rodeando nossas mentes. Assim é esse eu lírico. Vejamos:
Aqui, tão longe
Neste bairro pobre todos têm um real
para comprar as frutas
do caminhão de São Paulo.
Homens não pagam às mulheres.
Todas da vida, dão de comer e comem
coisas, de si, agradecidas.
Só morrem os muito velhinhos
Pais e mães vão-se às camas
pra fazerem seus filhos,
cadelas e cães à rua
fazerem seus cachorrinhos.
Ao crepúsculo me visita
essa memória dourada,
mentira meio existida,
verdade meio inventada.
O sol da tarde finando-se,
ao cheiro de lenha queimada
todos se vão à fogueira
dançar em volta das chamas
para um deus ainda sem nome,
um medo lhes protegendo,
um ritmo lhe ordenando,
jarro, caneca, bacia,
cama, coberta, desejo,
que amanhã seja outro dia,
igual a este dia, igual,
igual a este dia, igual.
(A duração do dia, 2010, p. 21 – 22)
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Argumento
Tenho três namorados.
Um na Europa que é um boneco de gelo,
outro na cidade vendo futebol no rádio
e o terceiro tocando violão na roça.
Todos mamíferos, sangue vermelho e ossos friáveis.Um deles cuspiu no chão, o que escolhi pra casar.
Mesmo tendo feito o que fez, só ele me perdoará.
Adélia Prado - A duração do dia (2010)
A incisiva Adélia
O aproveitamento da matéria
Só quem olha sem asco as próprias fezes,
só este é rei.
Só ele pode ordenar-te:
Poupa o cabrito e a grama,
não maltrates borboletas.
A humilhação quebra a espinha
de quem vai ao trono sem saber de si.
Agostinho, o santo, já disse:
Vim de um oco sangrento,
é entre fezes e urina
que nasci.
A duração do dia (2010)
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