Aqui, tão longe
Neste bairro pobre todos têm um real
para comprar as frutas
do caminhão de São Paulo.
Homens não pagam às mulheres.
Todas da vida, dão de comer e comem
coisas, de si, agradecidas.
Só morrem os muito velhinhos
Pais e mães vão-se às camas
pra fazerem seus filhos,
cadelas e cães à rua
fazerem seus cachorrinhos.
Ao crepúsculo me visita
essa memória dourada,
mentira meio existida,
verdade meio inventada.
O sol da tarde finando-se,
ao cheiro de lenha queimada
todos se vão à fogueira
dançar em volta das chamas
para um deus ainda sem nome,
um medo lhes protegendo,
um ritmo lhe ordenando,
jarro, caneca, bacia,
cama, coberta, desejo,
que amanhã seja outro dia,
igual a este dia, igual,
igual a este dia, igual.
(A duração do dia, 2010, p. 21 – 22)
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