quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Você conhece uma Margarete?

Por acaso depois de uma aula em que o tema foi "O que você feria se seu filho fosse gay", eu me deparo com Margarete. Essa poesia que é vida me deixa com febre poética!

Os comoventes preconceitos

As finuras de Margarete
fogem a padrões sociais:
'O popular, tudo bem.
Mas o clássico é imbatível!'
Com a alma à porta da rua
nada esconde de si mesma.
Vi tremer-lhe o queixo um dia
a ardoroso pretendente:
'Você por acaso é gay?'
Sofre muito Margarete,
a que nao sabe doer-se,
inocente como romã,
que racha por não conter-se.


Adélia Prado - A duração do dia (2010)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

E por falar em cotidiano...

Estou eu buscando algo que retrate a visão e reflexão sobre o cotidiano e me vem "Aqui, tão longe". Fiquei pensando sobre as coisas que passam por nossos olhos enquanto tantas outras estão rodeando nossas mentes. Assim é esse eu lírico. Vejamos:



Aqui, tão longe



Neste bairro pobre todos têm um real

para comprar as frutas

do caminhão de São Paulo.

Homens não pagam às mulheres.

Todas da vida, dão de comer e comem

coisas, de si, agradecidas.

Só morrem os muito velhinhos

que pedem para descansar.

Pais e mães vão-se às camas

pra fazerem seus filhos,

cadelas e cães à rua

fazerem seus cachorrinhos.

Ao crepúsculo me visita

essa memória dourada,

mentira meio existida,

verdade meio inventada.

O sol da tarde finando-se,

ao cheiro de lenha queimada

todos se vão à fogueira

dançar em volta das chamas

para um deus ainda sem nome,

um medo lhes protegendo,

um ritmo lhe ordenando,

jarro, caneca, bacia,

cama, coberta, desejo,

que amanhã seja outro dia,

igual a este dia, igual,

igual a este dia, igual.

(A duração do dia, 2010, p. 21 – 22)