segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Um pouco de Marina

             Finalmente posto hoje os poemas de Marina Colasanti que Tássia Tavares (Mestranda em Literatura pela UFPB) me enviou. Eu me identifiquei bastante com o que li e estou procurando livros dela para adquirir (Vale muito a pena).
             Por enquanto, posto um pouco da vida dela e um dos poemas que mais gostei! Futuramente vou plantando a poesia da Colasanti no blog. De antemão meus agradecimentos a Tassita!
         Marina Colasanti nasceu em Asmara, Etiópia, morou até os 10 anos na Itália, e chegou ao Brasil em 1948, quando sua família se radicou no Rio de Janeiro. Em 1968, iniciou sua carreira literária, com o livro Eu sozinha. Tem mais de 40 títulos publicados, entre poesia, crônicas, contos, livros para crianças e jovens. Trabalhou em revista, jornal, televisão e como ilustradora de seus livros infantis. Além dos livros, Marina dedica-se às artes visuais: entre 1952 e 1956 estudou pintura e, em 1958, já participava de salões de artes plásticas. Entre outros prêmios, ganhou quatro Jabuti e o Livro do Ano por Ana Z aonde vai você?, além de prêmios da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, da Câmara Brasileira do Livro, da Associação Brasileira de Críticos de Arte, do Concurso Latinoamericano de Cuentos para Niños, promovido pela FUNCEC/UNICEF, e o prêmio Norma-Fundalectura latino-americano.

(texto informado na 'orelha' do livro Passageira em trânsito. Marina Colasanti. Rio de Janeiro: Record, 2009)





Sem que se diga

Sísifo empurrava sua pedra
morro acima. E chegando no alto
a pedra rolava, a pedra
                                          rolava.

Semelhante é o destino das mulheres.
Sem que se diga 'maldição'
refazem camas.

(M. Colassanti, 1993)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

No mais divino ela é humana


                Durante as minhas leituras me deparei frente ao poema que segue. Já o havia lido algumas vezes, mas apenas hoje ele tomou conta de mim e, quase que pedindo para ser lido por vocês, veio parar aqui. Geralmente, eu não teço comentários, deixo a leitura livre. Entretanto, quero que observem como o perdão é uma das atitudes mais difíceis da nossa natureza.

Canto eucarístico

Na fila da comunhão percebo à minha frente uma velha,
a mulher que há muitos anos crucificou minha vida,
por causa de quem meu marido se ajoelhou em soluços diante de mim:
‘juro pelo Magnificat que ela me tentou até eu cair,
peço perdão, por alma de meu pai morto,
pelo Santíssimo Sacramento, foi só aquela vez, aquela vez só’.
Coisas atrozes aconteceram.
Até tia Cininha, que morava longe,                  
deu de aparecer na volta do dia.
Conversávamos a portas fechadas,
ela com um ar no rosto que eu ainda não vira,
zangando pouco com o menino, deixando ele reinar.
Houve punhos fechados, observações científicas
sobre a rapidez com que a brilhantina desaparecia do vidro,
sobre como pode um homem, num só dia,
trocar duas camisas limpas.
Irritação, impertinência,
uma juventude amaldiçoada tomando conta de tudo,
uma alegria – que chamei assim à falta de outro nome –
invadindo nossa casa com a sofreguidão das coisas do diabo.
Rezei de modo terrível.
O perdão tinhas espasmos de cobra malferida
e não queria perdoar,
era proparoxítono, um perdão grifado,
que se avisava perdão.
‘Olha, filha, aquela mulher que vai ali
não é digna do nosso cumprimento’.
‘Por que, mãe, não é dí-gui-na?’
‘Quando você crescer, entenderá’.
Senhor eu não sou digno
que neste peito entreis,
mas vós, ó Deus benigno,
as faltas suprireis.
Na fila da comunhão cantamos, ambas.
A mulher velha e eu.

Adélia Prado - O coração disparado (1978)

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Bairro

O rapaz acabou de almoçar
e palita os dentes na coberta.
O passarinho recisca e joga no cabelo do moço
excremento e casca de alpiste.
Eu acho feio palitar os dentes,
o rapaz só tem escola primária
e fala errado que arranha.
Mas tem um quadril de homem tão sedutor
que eu fico amando ele perdidamente.
Rapaz desses
gosta muito de comer ligeiro:
bife com arroz, rodela de tomate
e ir ao cinema
com aquela cara de invencível fraqueza
para os pecados capitais.
Me põe tão íntima, simples,
tão à flor da pele o amor
o samba-canção,
o fato de que vamos morrer
e como é bom a geladeira,
o crucifixo que mamãe lhe deu,
o cordão de ouro sobre o frágil peito
que.
Ele esgravata os dentes com o palito,
esgravata é meu coração de cadela.

O coração disparado (1978)